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domingo, 23 de janeiro de 2011

Meu Frenesi Polissilábico

Desta vez foi como nunca havia sido: destituí-me do hábito de seguir rigorosamente uma lista com a ordem de livros a serem lidos nas minhas férias. Para os leitores mais metódicos isso pode até soar como displicência. Para mim foi a luz no final do túnel. É que, de repente, me peguei buscando os livros cegamente na prateleira, como se não tivesse a pretensão de lê-los; como se fosse apenas uma forma de dizer que tudo estava bem e que, de fato, Charles Dickens poderia nem me fazer cócegas. Esta pretensão despretensiosa culminou agora no que chamo de obra do acaso (e não, não se enganem, eu jamais leria Dickens com 21 anos).
Acontece que tudo começou com o tal do Nick Hornby (e se você nunca ouviu falar dele, acho melhor começar a se preocupar com o tempo perdido) e o seu Frenesi Polissilábico, lançado em 2006 pela Rocco. Trata-se de uma compilação de artigos do Hornby para um jornal literário chamado The Believer. Mas não artigos de qualquer tipo de literatura pré-determinada, mas sim aquela escolhida aleatoriamente pelo próprio Hornby. Entendeu o incrível da coisa? Vou deixar de forma mais clara: o defensor por natureza da literatura escolhia ao seu bel prazer o que lhe viesse na telha para ler e depois registrava suas impressões, pra lá de bem humoradas, num jornal. E isto tudo se transformou no livro que tive às mãos por uma semana e que me influenciou a ler também ao deus dará, sem regras alguma para tal.
Desta forma, o meu itinerário de leitura começou a se desenrolar e é partindo deste fato que transcrevo aqui as ligações literárias imaginárias que foram se costurando na minha cabeça. Depois do Nick – que tanto demonstrava sua predileção por romances – me peguei em mãos com o Travessuras da Menina Má, um romance belíssimo do Mario Vargas Llosa. Neste ponto, por falta de tempo e espaço, vou apenas me restringir a dois fatos: o primeiro é que Llosa lhe mostra neste romance que a verdadeira face do amor pode, muitas vezes, ser demonstrada através de máscaras; já o segundo fato se relaciona com as ligações imaginárias das minhas leituras de final de dezembro e começo de janeiro: é que a personagem a que o título do livro se refere, em determinada parte da história, sofre um grande trauma e necessita da interferência psicológica. Há até mesmo uma piada com a questão dos terapeutas lacanianos que costumam ser extremamente complicados. E é exatamente este ponto, acredito eu, que me levou a pegar da prateleira meu próximo livro. E nada seria mais óbvio do que o Psicologia e Doença Mental, do Michel Foucault.
Devo finalmente assumir a minha prévia aversão a livros teóricos, aversão essa que tem paroxismo nas férias. Entretanto, algo ali me surpreendeu e a leveza – exatamente isto: leveza - da leitura foi-me completamente salutar. Neste ensaio, Foucault defende a impossibilidade de ignorarmos a diferenciação radical entre o que é da ordem da causalidade psíquica e o que é da ordem da causalidade física. Foi, portanto, completamente previsível as grandes menções ao pai da Psicanálise, Sigmund Freud. E devo dizer que não haveria qualquer outro fator tão determinante quanto este para que eu escolhesse na minha prateleira o Caso Dora, um relato clínico de Freud sobre uma mulher histérica que reprimiu suas pulsões homossexuais.
Alguém pode replicar o fato de eu usar um espaço de literatura para vir falar de psicanálise e psicologia. Mas me sinto inclinado a dizer que esta mesma pessoa nunca ousou a ler Freud. Isso mesmo. Pois, para mim, Freud, antes de mais nada, foi um grande romancista. A boa escrita e a forma poética em que ele encaixa os fatos me deixam bastante propenso a assumir sem medo que Freud é, sim, literatura e vale a pena dar uma vasculhada – mesmo para aqueles cujo interesse nem de longe é psicanálise.
Com referência a isso, após Freud eu já deveria prever o que me esperava. Claro, eu tive que escolher Palavras para Dizer, um romance autobiográfico de Marie Cardinal. Nesta obra, a autora relata de forma bastante bem escrita a sua saga para se curar de uma doença de ordem psíquica. E, acreditem se quiser, com a análise de Jacques Lacan – que já mencionei logo acima. Calma, não me julguem antes de eu dizer que não se trata de mais um livro de psicologia. É, antes de tudo, um relato intenso e bastante conciso de uma mulher que moveu céus e terras para se curar de sua neurose. Marie Cardinal tem o típico jeito doce de escrever; as palavras são em suas mãos pedras de diamante que ela esculpe com muito êxito. Um outro fator importante desta obra – para mim - é a menção da autora à sua infância completamente marcada pela religião o que, de certa forma, me inclinou a optar por começar a ler Psicologia e Religião, do Carl Gustav Jung.
Não pense que vou me abranger sobre este fato. Mas também não ache que é por que me rendi a não falar mais de psicologia. Não falo mais, pois é um livro ainda a terminar e só o citei porque ele adentrou nesta ligação mística dos livros que andei lendo desses tempos para cá.
Achei surpreendente como houve um perfeito encaixe das palavras. Mesmo quando eu lutava contra a minha vontade preguiçosa de me estirar no sofá e me esbaldar de carboidratos e programações televisa pra lá de sórdidas. Como disse Nick Hornby em seu livro, na batalha da literatura com outras formas de lazer, há sempre grandes possibilidades dos livros perderem, momentaneamente, para o programa da Oprah. Entretanto – e isto sou eu quem diz -, jamais será a Oprah quem me dirá o que ler e quando ler. Isto já são coisas cá comigo. E se agora a Oprah me chama é porque minha vista já está cansada e o meu coração por demais maravilhado de tantas surpresas que a leitura proporciona.

Espero que tenham gostado das indicações e que deixem a Oprah de lado. Afinal, ela fala demais.

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